sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Página de Luz e Sombra




















Ah, não se engane, porque os olhos se acostumam com o escuro e logo enxergam cores, sim, na sombra. O silêncio é um envelope de envelopes, presta atenção, que ao fundo, muitos sons se movem, lúdicos. Percebe que a solidão tem muitas portas, por onde os gatos entram vagarosos e vem se reunir aos pés da lua, mas não se assuste, a morada dos dias tem janelas de vidro que dão na rua dos sonhos. E a lua lhe pareceu distante, era o doido diamante no fundo do mar. Agora indagas, com ela nos braços, emergiste das ondas ou mergulhei no espaço? Cuidado, o espaço fez-se manta de retalhos sem costura. Olha como se aproximam os montes de farinha da alameda dos riachos, a terra foi dobrada em desalinho, geografia é uma caneta sobre mapas. Não preocupavas do amor, vinhas vazio, mas lembra-te da concha na baía? Que canção infinita na espiral vadia? Não, não chore, é só seu coração que também canta, por mais que não conheça esse lamento. No mar nunca adormece a maresia. Então entende, o escuro tem a benção do impossivel, vê como dois olhos condensam na treva, sente os cabelos delirantes lhe ferindo os dedos, o perigo iminente no traço reticente da cintura, mulheres atravessam véus de tempo e vem sentar na cama dos perdidos. Elas sempre foram pássaro, sabias? Bem mais do que a imagem, a magia! Maquínas tua mente, se prende! Te construíram uma cidade dourada sobre alicerces fantasma, cidade fadada ao abismo, pra onde vão os filosófos sem esse abrigo de séculos? Além, o pensamento rasteja, eleva e transborda, impregnado de vida e nunca percebês-te que escrevias tantos livros. Nesse jardim mal cuidado, ninguém cortou arestas da hera nos telhados, vês como o tempo ganha dimensão selvagem e vês a ti próprio animal na relva, bastou teus semelhantes não te verem, bastou não virem ao teu encontro, que tanto medo do escuro? Que tanto medo do mundo? Que indiferença com a lua! Enquanto termina o cigarro, no ato final da brasa, estende teus olhos ao céu, escuta o comboio rugindo numa distância impensável, queres mordê-la ganindo corpo alma e corpo (te lembra das mentiras na festa) e sentes que é mais afeito aos lobos!

O Desejável Berço do Mel

Preciso desembrulhar meu coração em palavras.

A pouco me atingiram olhos, fatais como relâmpagos
Eram lâminas em rosto doce de felina
De menina crescida, traiçoeira, hipnótica
Aprendendo a brincar com a tolice dos homens
A tolice infinita, minha grande virtude.
A pouco me dobraram dois olhos
E como não bastasse descompassar meu fôlego
Arquearam meus braços para recebê-la
Poema afetivo de lábios fendidos
Movendo-se lenta na atmosfera vermelha
Com cabelos proibidos amarrados num cacho
Com seios miúdos de framboesa lúdica
Com mãos melódicas descansando no ventre
A trufa sutil, de pelúcia e jasmim
Delineada em nanquim. Uma flor em segredo.
A pouco me cortaram da calma, dois olhos somente
Sem pairar palavra ou iminente toque
Cometeu-se pecado. E a luxúria emudecida
Foram os desenhos de tinta na pele
Foram as coxas gêmeas, tão claras
Foram os gestos nascidos na infância
Tudo em segundos furtivos de vida, desencontrados.

Eu só posso estancar meu coração em palavras.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Kiwi Kiwi

Pele de camurça
ratinho da terra
tua carne, entanto, é verde
igual lagoa matutina
Doce, macia
botando água na boca
e estrelinhas
crocantes.

O Levante














A correnteza dos ventos levou o moinho
quatro pás, passarinhos, vararam todo o céu mosaico
dilacerando as nuvens iluminadas sem rosto
No entreposto dos anjos malditos, nasceu um grito!
Montanhas distantes descortinaram retalhos
de galhos e folhas e rios correndo livres no infinito
Em cada vão de sombra o som do grito, do grito
abençoado dos malditos... Cães latiram liras
pela estrada de poeira e o rolar das cachoeiras
tamborilando nas pedras, pela selva o eco dos macacos
fazendo algazarra no ôco das árvores! Os que vagueiam
farrapos, imundos foragidos do Massacre de Canudos
Os nuncas, os nulos - de asas soerguidas entre estrelas
amassadas! As defloradas silentes! Os sem casa - pingentes
mais revoltos da cidade... Num afluente de vozes frias
Como fantasmas peregrinos que acordassem com corpo
Como poemas, se desprendendo dos livros em espasmos
de tinta! A lua baixou dois braços, dois riachos
azuis e arrancou as estátuas de pedra e atirou
os monarcas no abismo! Um trovão liberto percorreu
seis desertos, deixando rastro de espelhos
e uma canção que dança! Amor, como sorriram
os dias, quando a criança e a canção deram mãos
e dançaram, atravessando outono, primavera
e verão para a quinta estação, onde os trens se encontram!
Amor! Como vamos sorrir, os loucos, quando a criança
crescer numa vila de paz e a lua descer da noite
com um ramo de raios para coroar a menina
princesinha sem trono!

Alinhamento

Aos que vivem no quase
e com um só pé
cruzam as portas

Aos que param na véspera
Esperando os sinos da tarde
Esperando filhos ferverem
ou anjos cruéis de julgamento
e morte...

A esses enclausurados
em celas numéricas, nos calendários
migrando de jaula em jaula
Ao banho de sol no sábado, ao mar no feriado!

Atrasam o relógio do peito
dois minutos antes da vida
e levam um ar de esperança
como a aposta contida
que nunca colocam na mesa
pra nunca dar-se perdida...

Mas que tristeza é deitar-se pra que o sono não venha
e casar-se depressa antes que o amor chegue
e lamentar-se do inverno que cobrirá seu jardim
antecipando o fim, antes do fim, que fim?

Hoje, sozinho, na estrada borrada
sou pesadelo de rio
refletindo seus olhos

Pequenos fogos castanhos!

Eras exata no tempo.
Eu queimava lento, em pensamentos
Num quase beijo disperso
quando mordeste meu lábio
no sangue...

Paredes ruborizam de luar
Os carros naufragam na distância de sempre
Alguns se inclinam pra tornar-se sombras
mas os sopros do sax derretem ao fundo
e eles sabem que a vida e inevitável

Palmilho as calçadas sem ver
Alguém me dá a mão, juntos no instante
pra ganhar ou perder...
E ao vê-los nos bares, ainda cismo
que procuram trago a trago
algum abismo

Também persigo tolo essa pureza
e às vezes, num relance, nossos corpos
parecem ser quimeras de asas presas

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Cantar Contra os Reis

É preciso ser de amor
último abrigo dos pássaros
na tempestade.
É preciso ser livre
porque a lua é livre
e rios não são rios
se represados
e um dia vi a fúria amarga
nos olhos de um tigre
preso.
É preciso ser de paz
sabem disso o pai e a mãe
quando abençoam seus filhos
cerrando os olhos
no portão de casa.
Sabem mais os avós
destemidos da morte
como é triste temer
a vida, temer a noite
e o outro.
Mas sabemos,
é preciso também
ser de luta
para honrar a farinha
do pão que se come
e honrar o trigo apartado
da terra e ainda mais
os homens que ceifaram
o trigo, a custo
de tanto suor
que não se pode medir
em cascatas ou lagos.
Cravar os pés na areia
quando o mar golpeia,
e o mar é forte.
Cantar um amor
mas não calar se a lei
for silêncio.
Resistência começa
quando é preciso lutar
pela liberdade,
quando só coragem afina
a viola exilada
quando o pássaro vôa
através dos relâmpagos.
Em tempo
de tanta liberdade roubada
será preciso escolher
entre viver
ou sentir vergonha desse pão
que devoras com pressa
no esconderijo
de vidro.

Embolia

Não mais o pão seco que assombrava
minha mesa matutina.
Rasgador de garganta, cegando
o punhal afiado dos meus versos
como eu mordesse pó
sem copo dágua.

Emergi da sua carne
engolindo ar, enchendo os pulmões
doloridos. Vinha do mármore oceânico,
onde anêmonas profundas
me matavam docemente. Voltei
com frio e fome. Ainda nu
quando me vi nas ruas
de carros corriqueiros, de cheiros
e cortiços. Desvencilhava-me,
sentindo o carinho das algas
no calcanhar e as traiçoeiras pernas
de polvo num dolente abraço úmido.

Meu precipício de sonhos partidos!
Por quantas primaveras me manteves
congelado? Meiga prisão de vidro
onde deitei escravo da beleza impune!

Sinto agora minha pele descolar da tua pele, sem rasgar-se.
Ignoro teus lábios como um velho idioma desaprendido.
Vejo tua voz morrer em pequenos vórtices de sombra.
Para voltar à superfície sob um sol desfolhado.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Coral de Assobios


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Quis fazer uma balada simples
e bonita como um assobio
Rústica e forte, pintura
rupestre de caverna esquecida
Feita ao fogo que alenta
e repele a pantera das sombras
Clara como o espelho claro
que mira o céu. Despropositada
como a conversa de varanda
dos velhos mas que não
fosse vã, apesar do vazio
entreversos. Nua, vestida
tão só de humildade e dessa
caligarafia infantil
Pensei uma aurora verde
em pássaros ruivos e casas
lunares. Pensei um rio que
deslizasse livre, um coração
feliz de árvore, uma flor
errante entre terrenos
baldios. Mas não há palavra
minha que traduza esses
silêncios - sereno de noitinha
amena, chaleira a sussurrar
vapor de menta como um beijo
fresco, afresco de capela
branca, minha balada amada
tão pobre, sem flâmula
sem hino e sem forma - feito
pano de veleiro ao vento
ou a dança de uma vela acesa

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Poema dos Pães Partidos

Procurar em vão a ternura nos olhos, a aura multicor, a leveza de passos.
Os pássaros azuis de outros ares, outros cocares.
Coqueiros verdejantes sombreando areia quente, oásis para rede, redenção e descanso.
Mansidão da voz sabída do chicote, do chocolate, do amargo e doce
da vida - ali então, entre café e caximbo, ouvir a lição, o sermão, a cantiga.
Meiguice de menina entanto ardida, prometendo e enganando num mesmo sorriso
guizos, cristais e conchas e mais entre os vens e os vais da maré de flores.
Feixes, flechas solares rasgando o céu na manhã que surge como um neném bonito,
vestindo esperança. Ao meio-dia vira criança, entardece da infância
e a juventude evapora com a tarde branca. Adultece! Os restos da aurora desmancham...
Tristeza quando queda o Sol distante? Nasce a velha noite de morte e diamantes.
Passar por castelos e carros elaborando meus testamentos de barro, pão e palavras.
De terra fui feito, de sal e minério. Água e farinha na fornalha - cortado em versos
com navalha!
Repartido entre bocas e corações famintos. Fermento é o beijo, a fúria, o tormento!
Curioso dos corpos, naturalmente quente, de descompustura e carência,
desertor da ciência enamorando os mitos, elo de ciranda, curumim das tribos
que fumam e dançam.
Desejar as nuvens desenrolando-se em panos de seda, tornando-se naus, najas, baleias.
Um balão à deriva, um desfile de pipas, um avião que passa escrevendo fumaça
na celeste verde.
Quando a tarântula com pés de agulha eclipsa estrelas sobre minha cabeça e tece das nuvens ao chão
uma neblina fina. Como enrolando um inseto, mantém a cidade suspensa e gira, destilando teia.
Tudo são manchas e vultos estatuetas confusas contorno e face turva ruas tortas enjôo
miragem clarão de tinta colagens um voo pincéis velozes vidraças vertigem de imagens sem forma! Súbito
estanca! Mordida, veneno-vinho que amortece corpo e agita alma. A fisgada na espinha.
Então a calma, o silêncio de gelo, a espera imóvel do regresso pra casa
e do amanhecer que chega como um lento poente opaco.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Filho da Lua

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Sob a oliveira
um só corpo
de sangue e cabelos
Mas a poesia
que é infinita
meditativa
nos olhos úmidos.
Sobre as verdes
asas - a chuva
Lavando capas
cruéis! Sorriram
os fuzis em disparo?
A lua por certo
lamentava e queria
dar-te os braços
num abraço cerrado
e amoroso! Para
salvar-te...

Num Mundo Perfeito

Uma caixinha de música. Um retrato sem cores.
Ainda vê-se os fios castanhos na escova em repouso.
Imagens no espelho, ela só se vê.
Mergulha no olhar parado... Castelos de sonho,
balanço de árvore, garrafa de vinho que finda,
ela beija a taça com certa graça. Se perde...
Volta pra superfície do mundo, de si.
Repara as bochechas coradas, sorri.
Não lembrava de sorrir assim. Refletida
em gestos livres se enxerga simples e verdadeira.
No vazio do quarto selado, no silêncio
da noite lá fora. Encanta-se.
Segue a linha dos lábios, o púrpura,
se interessa pela pétala entreaberta
que parece vibrar, que arde. E ela
quer beijar-se. Boca, frio espelho.
Agora fita o pescoço fino, o cabelo
leve caindo e roçando uns ombros nus.
Colar, pingente e os seios - surgindo igual
segredos femininos, mansos e perigosos. De carne
e seda, pedindo: toca-me, dizendo: beija-me!
Coração exalta no peito, um sangue
denso insufla a têmpora. Sufoca.
Sem notar leva dois dedos ao ventre
corre licor pelas coxas.
São dois doces pés inquietos. Ela rola
no chão sobre livros e roupas.
Um novo céu que desmancha. Fica a parede
sombria no espelho deserto.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Livro de Luz e Sombra


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Areia branca
poeira das estrelas
depositada sem pressa
em sete eras
do vento

Sombrio embalo marinho
Mansinho, mansinho, cavalo feroz! Se espalha...
Calminho, calminho, marreta de prata! Espuma...

Água nivelada em turvo espelho
Água exaltada em dunas doidas
E a dança segue sempre essa balada!

Moradas do dragão
vulcões lunares
pintando com lava
o castelo de Jorge

Renasce vermelha a cidade de mármore
espalhando roseiras na pele do mar...

Pétalas na areia! Conchas de brincar!

Nós acordamos pra noite
quando ela sonhava pássaros
E voava... Voava a noite pra longe
batendo as asas do tempo
numa espiral de palavras

Levanta primo! Isso é mágica!

Se verdes folhas suspensas
fluíam tal como as águas
Os olhos dele, negríssimos
eram a própria madrugada
E a cor das estrelas mentia
como mente a escama das carpas

Tudo se repetia
no homem, na rocha, nas nuvens
se um vento rugia nas árvores
o mar rugia em quebrantos
se os rios corriam pros mares
corria sangue em minhas veias
o que soubemos do instante
a relva também sabia

Silêncio! Mas ele sorria...
E eu quase, quase chorava!

Lá vem a marcha dos sinos
assobiando e cantando
Um prisma sai de trás dos morros
todos os corpos despertam
só dois mergulham na prata

Mas que loucura - eu falava
Sonhei que a noite sonhava

Disseste - Não diz mais nada...
Sonhei que a noite voava!

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Balada Garoada

Flores secando ao vento.
No cristal claro do vidro
seu fantasma refletido
em translúcidos contornos
Folhas que o vento arranca.
Viola de cordas brancas
soando água de fonte
Teu cabelo de barbante
Teu sorriso de palavras
recitava Federico
melhor dizendo - cantava
Quanto campo estrelado!
Quanto mar fosforescente!
Arco irisado sem flecha
no firmamento nublado
Pequeno instante de sonho
tristonho ruflar do tempo
O olho do Sol se fecha
desce uma chuva fria...

domingo, 24 de outubro de 2010

Pagã

Fogueira atiçada,
cabelos da deusa ruiva
Praia toda de pedra - o mar explode
em prata, uiva

O ritual é antigo
brincar margeando o fogo,
lamber fagulhas!
Ergue o olho fundo,
mergulha a órbita extática
nas nuvens de plasma

Incita a chama contra o ártico!

Animal bruxo
no círculo mestiço
entre filosofia e mito

A vida vive nos ritos!
que as promessas do mundo moderno
são estrelas de pó,
tubarões no aquário!

Ar pra respirar, água pra tomar
alimento e amor...
mas os rostos castanhos se tingem
de carvão e fuligem
tentando devorar ouro.

O corpo do fogo é vário,
também é vário meu corpo
em seus movimentos loucos...
Calor, calor - alimento e amor!

'A renascença das crenças'
canta o mendigo
do fogo, afunda as mãos
na amplidão
estraçalhando ampulhetas...

A chama cospe cometas
os deuses sem cruz sorriem
suas estrelas azuis
eternamente vagando -
ciganos são os astros
e o coração humano!

Então o receio de virgem
hesitação ante o salto
hálito aflito
É que o infinito
às vezes dá vertigem!

sábado, 23 de outubro de 2010

Primeira Oração

Vinicius, Pablo, Jack, Walt
Me ensinem a amar a vida
e sua imprevisibilidade
Me guiem dentro do caminho
sem tempo
Façam acender em meus olhos
o amor sem fim
como as luzes do farol
caído no mar profundo. Amém.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A Mulher e os Meninos

No internato obscuro
uma cruz expõe deus
seminu e ferido
O menino ajoelha tentando afastar a maldita mulher
de dentro do olhar
As pernas maternas, os dedos das freiras...
Ave-Maria mãe de deus
quem te beijou os lábios teus?

No calor da feira
a explosão de cores
amarelo manga verdor limão
laranja aurora do mamão
vermelha o doce
do morango - prova a polpa
moça, enche a sacola
e sai de saia
pelas tendas mais saborosa
que as frutas...
E os meninos seguindo
seus quadris com lunetas de papel
vão carregar tuas sacolas
depois ganhar um pastel
Mulher que linda sem anel
alguém vai noivar teu rosto
e desfazer-te do véu?

Sob o feitiço do sol
botando fogo na areia
elas estendem lençóis
e mostram-se quase inteiras
Tão pouco pano se vê
e tanta pele dourada
mas cresce o desejo do ventre
e das auréolas rosadas...
Meninos dágua de cor
mesclada entre o castanho
do rio e o vermelho da lava
correm pro mar febril
tentando esfriar suas almas
Que essas mulheres
de tarde - vendo a luz
cair chapada,
dão pra si a liberdade
de deitar vestindo nada
Querem ter a cor da tarde!

Menino reza, menino chora
e vai embora
junto com as ondas
Menino morre, menino corre
e come areia e fica tonto
Mulher maldosa
só tua imagem
congela o vento e a paisagem
Tão inocentes eram os meninos...
Era tão tranquila a felicidade...

domingo, 10 de outubro de 2010

Desenho Nanquim

A Lua encarnada,
flor de quatro fases
Paz na cama atormentada
Olhos desertos de mim - meu abismo
Catavento mais bonito entre
as estrelas
Mel, vinho, ameixa
e o calendário inflama!
Poeira é o tempo que fica
no que não se move
Minha canção, minha casa
Abre os olhos teus como tuas
asas
Devasta o horizonte e fica simples
somente teu contorno feminino
não há filosofia ou morte alguma
e nada além da Lua
no teu seio!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Pequena Prece

No coração da solidão é onde nascem os lobos
com fendas nos olhos e capas de sombra
suspensos no tempo diante da Lua, como uma nuvem
perdida que o vento navega - mas são só brinquedos os barcos
de madeira velha... Pelo riacho tecido de cetim azul
a brincadeira é sem fim para o menino crescido
Dos caracóis do mar - desenrolados - cachoeiras de cachos
espalhando na praia, vê o brilho! É a garrafa de vidro
com os desejos selados, o mais sincero dos beijos e a confissão
sagrada! Só o vento esfriando o corpo, andar contra o Sol
é como ver através do fogo, tudo é pura chama e o coração dêgelo
e os cristais partindo enquanto os sinos quebram
Quando o cravo chora - fica o palhaço sorrindo com seu nariz de aurora!
O tapete é de folhas secas, o deserto vai na boca
qualquer palavra é rouca, todo consolo é pouco - mais uma folha
desprende, amarelada e ausente, dança no ar feito louca
e deita solenemente! O vagabundo pode caminhar
arrastando sóis poentes com sua capa, pode cantar a melodia
ousada dos que varam o tempo sem fugir de nada
mas vai levar no peito, mesmo sem notar, um bonito colar
mais pesado que a terra, mais intenso que o mar...
Os filhos da tisteza - nessa roda estranha
que hora nos dá tudo e depois vem tirar...
O suspirar do mundo, do mundo grande mundo que não para
de rodar! Ajoelharam-se as árvores e recolheram-se as nuvens
da tempestade incontida... Nas ruas da velha vila
onde nada nunca se move, um relâmpago inflamou...
Agora choro, agora chove! E essa vontade de ser anjo
querendo falar com Deus, esse desejo de poeta
querendo ver a flor desfeita regredindo ao botão
numa implosão de pétalas! De apanhar nas mãos essa rosa
entreaberta! Mas não, diz a ciranda, agora as meninas
que se dão as mãos levando na face um olhar de sua mãe...
Feitas tão só de inocência e de amor e de infância
vão notar o silêncio, como dói teu silêncio, minha pequena esperança!
A palavra é a pétala que não posso ofertar, enquanto
essa pérola cresce nos meus olhos e desce
como uma estrela que vai ao mar e lá descansa
dorme pra sempre! Brilha serena no meu poente, a bela ausente
que é uma promessa, do azul bonito, do reencontro,
da primavera depois do inverno, do mais que eterno
amor que temos e de nos vermos no infinito!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Cidade dos Pássaros

Criatura de plumas, percorrendo os vazios
azuis das nuvens mestiças, o corpo em cruz
envolto em vento, sobre os telhados velhos
da morada humana, vagando a sombra sutil
pelo vale dos rios e as cascatas de folhas
Sentinela do estio, na última torre dos sinos
da catedral de pedra. Os nômades da estação
sempre sob o Sol em chamas, além da montanha
na pele do lago, o pássaro espelha, tem duas
imagens. Olha o cais, onde a madeira apodrece
sua antiga força, da marujada de todo o globo
cheirando a peixe, falando alto, olha a paz
do porto no vôo da gaivota, no grito da chegada
de volta ao retiro com ramas no bico, vem
arquitetar um berço. A canção que é bonita
e é triste e serena, a canção da floresta
perdida pra sempre, da saudade dos galhos
de flores douradas - muita melancolia para
um coração selvagem. Eles viram a guerra
do fogo, eles viram o degelo nos polos
e tomaram as chuvas no agreste e pousaram
no cimo dos prédios. Na revoada, o balet!
Em sincronismo perfeito, nunca tocam-se
as penas, ninguém vai mudar seu rumo, não
há divisas possíveis, o céu é inteiro e sem
fim, em uma face é a noite, na outra face
é o dia, tem sempre uma aurora vermelha
e sempre também um poente, nós construímos
igrejas, milhões de estradas, favelas
mas a cidade é dos pássaros - cada pequena
cidade - os pássaros tem um segredo que vão
cantando pros homens em seu linguajar de ave
mas quem pode ouvir suas palavras
perdido no vão das cidades...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Letra Vermelha

Na cama de vagalumes
a noite explode a janela
e sacode as cortinas
Ela tem olhos de espelho
neles cabem o céu vermelho
mas eu não me vejo

Dedilho versos nos fios fictícios
do seu sorriso
São seis sentidos, seis sons
A carícia suspira e o peito arfante
abriga um coração em transe
As visões irradiam dos caracóis
dourados, mil setas de luz
E a voz inunda o corpo sem cor
do vento e invade o ouvido
feito ferro líquido
Os poros dilatam na pele fervente
sua bruma se espalha lenta
A fruta de polpa exposta
geme quando toca a língua rouge

Imaginar toda a cena - de luz e poema
as palavras surgem e queimam
cauterizando na carne, no pergaminho
de pele, serão só versos os versos?
Ou tatuagens na alma ou expressões
do semblante ou criaturas de sonho
transfiguradas em música...

Disseram que fazer poesia
é prender um raio numa fotografia
Quanto a mim, vou devorar relâmpagos!

Crescente

A grama estava ruiva, entardecia bem quente. Ele sorriu quando viu os pássaros embaralhando as asas no caminho do Sol, depois entristeceu porque estavam atrasados, o Sol já evaporava. Não sabia se o vento que bagunçava a franja era o mesmo dos assobios, desconfiava que não, um vento era músico e o outro palhaço. Assim mesmo gostava do vento e queria ventar nele, só pra retribuir o carinho. Queria adivinhar onde no céu ia nascer a primeira estrela, mas olhou pra cima e já estava lá a pequena vermelha, vermelhinha. Foi, foi, sentindo o cheiro da noite que era igual ao da tarde, só que mais escuro e tropeçou num galho - com duas ramas e sete folhas - empunhou tal espada e ergueu, acima da cabeça, agora cavaleiro. Não sabia nada de elmos e almas nobres dos contos antigos, então cavalgava na relva seu cavalo sem corpo. Tinha o peito desnudo, os sentidos despertos. Viu na casca preta do besouro uma armadura cromada, noturno diamante. Depois do deserto, seguiu adiante cortando o riacho, os pés descalços nadando entre os peixes de prata, viu as pedras do fundo de todas as cores, as conchas e o musgo, haviam diluído um arco-íris. Não tinha inimigo o guerreiro da espada invencível, agitou sua adaga contra a macieira e apanhou um fruto, troféu mais gostoso. Mijou nas estrelas e acertou as flores. Porque só as borboletas voavam sem sentido? Correu pra qualquer lado e depois pra todos. Então percebeu, as estrelas morriam, porque deus permitia? Ia lutar contra deus, que deixava morrer seus fihos e amanheceu. Ele tenta incendiar sua espada no fogo da aurora!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O Ilusionista

- Poema para o Carlos


Eis o Ilusionista - forjador de espelhos, chaveiro das portas sem trinco
Artíficie do sorriso das muralhas: arqueadas com dentes de pedra.
Suas cicatrizes de batalha - escrituras da história do rei, do príncipe pobre
No trono de nuvens. Correndo entre as estrelas, guarda-luzes do céu
Tem lampiões nos olhos, vaga-lumes bêbados nos bolsos, isqueiros vivos!
Seus pés gigantes, barcas navegantes de um qualquer mar distante
Qualquer rio de vidro entre os desertos cínicos da areia humana.
Das viagens que contas, quantas entre tantas, são só sonhos são só sonhos
Tira lampejos das sombras, torce ponteiros e brinca que é sempre cedo pro sono.
Já viu a noite caída? Já viu a lua perder-se e toda a cidade acordando...?
Já viu o filho chorando? Já viu o inverno das rosas e o outonar das cores?
Quando o trem uivou distante você deitou no trilho... Mas as rodas poçantes
te vendo rendido alçaram vôo e o trem-foguete foi às nuvens, hoje é estrela!
Mago iniciado na dor, mestre de amor, mímico hábil. Amigo do vagabundo,
amante silencioso, coração frágil. Alta torre! Quando a noite embriaga
os ossos e nenhum passo é possível na treva, diviso as fogueiras verdes
ardendo na doce capela e sei do destino que quero e sinto que é belo o caminho...

Da Flor Proibida

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Violeta dúbia,
Quando te toquei, meus dedos modelaram
o teu seio, como fosse ele
a carne da terra
então meu peito galopou por terremotos
e roseiras, por riachos congelados
e abismos incontáveis...

Depois parti de ti
descendo escadas que davam
no porão do inferno
Vagando ruas amargas
no labirinto das casas
Comigo a solidão do velho pássaro
e a saudade da esposa no porto.

Minha Julieta - eu quis matar-te
e quis ser morto
Mas não podia, que se morria
não te beijava,
Se te matava também morria.

Tem seis punhais a estrela
que dorme nos seus olhos - Eu vi!
Do espinho da vinha
é feito teu vinho
Só te quero beber, inviolada
quando se deita
pros meus carinhos, quando me cede
tua boca rubra - e eu abro e beijo
tua violenta florzinha núbia.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Balada pré-nupcial

E quando eu morrer de amor
que não morra o amor em mim
que haja ainda o marfim
de um sorriso sem dor
No quarto paire uma névoa
supondo teu cheiro doce
eu sem ser, como se fosse
o primeiro amor de eva
Do éden, talvez expulso
por um deus de sal e siso
invejoso dos impulsos
dos humanos paraísos
Descanse a loucura do dia
dorme que sofro sozinho
depois lhe escrevo poesia
depois eu bebo outro vinho
Pois nessa cidade de lava
onde todo mundo queima
só a noite que me salva
e quase sempre me condena!

Vê, tanta estrela lá fora
sozinhas no gelo do espaço
rainhas de mil auroras
mas nunca nenhum abraço
Tão bonitas, as meninas
altivas vestes azuis
que meu verso desvirgina
nesse universo de luz
É grande a solidão noturna
a nossa e a das estrelas
enquanto um cometa afunda
na treva mas sem rompê-la
É dúbia essa condição
de desespero e esperança
dormiremos feito crianças
desfeitos dessa aflição
Vê, uma estrela dança
fingindo ter par e apaga
Ninguém viu sua valsa
Deita comigo... Descansa!

Tens frio na fina pele
Ronrona feito felino
O olhar desliza e me segue
chorando igual violino
Um dedo teu que resvala
no meu peito sem camisa
se encolhe logo, se cala
e a face azul ruboriza
Um arrepio nos percorre
eriça a virília acesa
sobe por delicadeza
espasma na nuca e morre
O ar te escapa entredentes
No lábio, silente convite
e ainda assim me resiste
tentando fazer-te ausente
Na frase boba, disfarça
cedendo quase ao cortejo
sedenta, prossegue a farsa
calo tua boca num beijo!

Os Anjos

Céu. Céu! Pequena morte
no paraíso. Vi os vitrais
quebrarem e os anjos da paz
fugirem rindo - torpes
de amar seu deus.

Arcanjos sob os arcos
das pontes. Os vi orando,
as mãos unidas ante os lábios
e as faíscas da fé brilhando
em suas frontes.

Vi as auréolas luzindo!
Flores azuis de fumaça
desabrochadas dos cachimbos
pairavam com muita graça
sobre as cabeças em transe.

Os pequenos serafins
de frágeis mãos estendidas
tinham asas retorcidas
e piedade sem fim
da humanidade descrente.

Nas sombras da catedral
ouço a harpa dedilhada...
Outra hóstia foi tragada
pelo vulto angelical
que agora recebe as bençãos.

Após a última prece
o anjo retira as vestes,
se cobre com as asas
de abutre e volta pra casa
celeste.

Pertencimento

Esse chão de madeira macia ou pedra chapada
que tão humildemente recebem meus pés sem sapatos
Esses milhões de hectares, aquelas montanhas
e entre elas, entre suas pernas - o vale
e toda a vida profusa no veio dágua, filete de sol
correndo as manhãs geladas. Esses animais serenos, comendo a erva da terra
se refazendo do barro, se comendo aos berros
sem qualquer embaraço... Esse imenso terreno baldio
e suas árvores de mil braços, cada uma com mil olhos
verdejantes sensíveis ao vento e também suas sementes
e seus frutos suculentos, ahhh, pros meus dentes!
As moradas dos homens, de ferro e cimento de pau
e palha de telha e vidro de papelão. Cada pequena
janela mirando um retalho de paisagem
e também cada paisagem com todas as suas janelas!
Esses campos arados e a ceifa terrível, os caminhões
quase sempre tombando aos navios imensos, hidras
rasgando o vento sobre a lâmina dágua! Essa água
toda de sal e a água viva das nuvens e a água virgem das fontes
e as pontes sobre os rios que as cruzam! Todo, todo vinho das adegas, segredos
guardados pelo beijo das rolhas, a alma das uvas e os vinhedos.
Os sabores das coisas, das coisas todas as coisas sem alma.
O terno elegantíssimo, a bengala bem polida, o chapéu altivo,
tão engraçado! As fachadas coloridas dos puteiros
que as crianças amam mas seus pais frequentam.
Essa cama de areia no lábio do mar e as ilhas erigidas no nada,
as quilhas engastadas no fundo do oceano. A reunião das estrelas,
os satélites vagantes na espiral do delírio humano, os mil vezes
cem bilhões de anos do cosmos colorido!
Toda e qualquer cantina, cantinho de gula, doces caseiros,
celeiros de milho, a comida lançada ao lixo!
Os livros adormecidos nas estantes lustrosas, a poesia e a prosa
de vinte séculos, essa imensa síncope de imersão ciclópica!
Os corações das multidões maciças, das solidões voláteis.
Aquelas catedrais de altares fúnebres e as bacias douradas
de água benzida, que boas pra matar a sede. Todas as riquezas
bíblicas, Salomão cantou-as, vede!
Também a arte dos povos, a tinta dispendida em visões obscuras,
incríveis e puras, tão fúteis e amáveis. Os inumeráveis salões
de baile e os pingentes pendentes sobre o seio das mulheres,
pedra opalescente, lágrima da rocha, pérola dormente
à mão do ourives desabrocha.
A fênix dos penhascos cantando a morte do fogo,
a revoada dos pássaros de um verão ao outro.
A campina dos leões, a estepe dos lobos, a sebe do esquilo
e a ravina do corvo, qualquer bioma possível e a biosfera toda!
As pirâmides espetando o céu
na mata e no deserto, não tão notáveis quanto os castelos
dos insetos - colméias suspensas, galerias subterrâneas.
E as miragens litorâneas na hora que o sol evade!
Os territórios sem grades, a evaporação das cercas e o carnaval
das cidades. E mesmo a dor subcutânea e insondável, tão comum
à alma humana, a dor vã e indevassável...
terei tudo tudo
todas as coisas
e só porque não comprarei nada
e de nada serei dono!

Serviço Militar Obrigatório

O vento sempre morde a ponta das bandeiras e arranca os fios desfeitos
deixando o farrapo sujo chacoalhando nas nuvens, infeliz de dar risada.
Ninguém se comoveu do trapo tremulante e o mastro já engasta seis
enfeites de ferrugem e atiça a cobiça de alguns que sobrevivem do ferro
da sucata da lata. Brilham estrelas depois da bandeira a verdadeira
estrela inflama a flâmula e faz cinzas do auriverde a verdadeira estrela
tem mil pontas desordeiras tem protesto é um protesto contra tudo é o
fim do medo. Postura ereta baqueta histérica mão no peito a fronte séria
Pelotão! Fuzilamento! Canta o hino verborrento sob o quepe do sargento
três mentiras numa estrofe e alguém se agita e grita - toquem a lira
suburbana! Geme o couro do tambor tambor geme rindo o tambor tambor
rindoritmo tambor tambor tambor tambor Dançam maracatu sobre os coturnos
o surdo emudece a trompa e a bateria acompanha empenhada o toar da
zuada tambor tambor tambor tambor tambor... A poesia é minha pátria!

Balada das Calçadas

São tão estranhos os dias
Nas ruas ninguém namora
As vejo, sem companhia
Subindo a Ladeira Aurora
Desfilantes manequins
Vos acompanho vidrado
Minhas flores de calça jeans
Meus anjos sem dom alado
Distantes figuras deusas
Andando pelas calçadas
Intocáveis e indefesas
Contentes por cortejadas
Pintadas de branco e preto
Vermelhos pincéis nas bocas
Insinuai vossos peitos
Sob os rendados das roupas
Pintada de preto e branco
És Nefertiti, eu te vejo
Bailando inaudível tango
Sem nunca inventar o beijo
Tão sorrateira te ausentas
Como a fagulha de brasa
Que solta, sozinha, no vento
Rapidamente se apaga
Quisera fosse comigo
Pra cama doce do amor
E fosses por ter sentido
Um instintivo clamor
De seres a fêmea eterna
E logo despisse a blusa
E abrisse-me tuas pernas
As pernas que não descruza
Soltando um sopro de dor
Dor tenra a se converter
Na tensa carne, em calor
Na rubra gota, em prazer
Tens tanto medo de amar
Sois frustradas afrodites
Deusas urbanas do mar
E do amor que não existe
Nós, os poetas, morremos
De não poder ensinar-vos
Vossa vocação de vênus
Gingando por entre os carros
Vão pelas ruas do tempo
Crispados bicos de frio
Tantas ladeiras descendo
Sem reparar no assobio
Partindo pra nunca mais
As lindas musas mundanas
Tirai de mim toda paz
Transeuntes paulistanas!

quarta-feira, 17 de março de 2010

Noturno

As estrelas diluídas na noite
eram frias e indiferentes
tão velhas pros meus olhos jovens
e ainda assim me sorriam
de um riso claro e displicente
como quem sabe a resposta e não diz
como quem vê, nos caracóis do tempo, um propósito
as estrelas mais lívidas
no infinito gelado do espaço e das eras
brancas, espargindo leite, lentamente
vivendo suas mortes ardentes
porque posso ter em meus olhos
tantas constelações de fogo
enquanto a asa noturna se arrasta
fazendo espuma e silêncio?
porque as palavras são nulas
e há tantas lembranças rondando meus lábios?
porque esse brilho sereno, pequeno na madrugada
quase me rasga a carne, o canto e a retina?
quisera elas fossem meninas
seminuas e lindas, sozinhas no céu
pra eu lhes beijar com força
mas não, não deitam no chão
distantes pedrinhas de gelo e carvão
até que o dia chegue, azul-vermelho
e lave meu corpo desse veneno
e livre meu sonho dessa hipnose