terça-feira, 23 de novembro de 2010

Poema dos Pães Partidos

Procurar em vão a ternura nos olhos, a aura multicor, a leveza de passos.
Os pássaros azuis de outros ares, outros cocares.
Coqueiros verdejantes sombreando areia quente, oásis para rede, redenção e descanso.
Mansidão da voz sabída do chicote, do chocolate, do amargo e doce
da vida - ali então, entre café e caximbo, ouvir a lição, o sermão, a cantiga.
Meiguice de menina entanto ardida, prometendo e enganando num mesmo sorriso
guizos, cristais e conchas e mais entre os vens e os vais da maré de flores.
Feixes, flechas solares rasgando o céu na manhã que surge como um neném bonito,
vestindo esperança. Ao meio-dia vira criança, entardece da infância
e a juventude evapora com a tarde branca. Adultece! Os restos da aurora desmancham...
Tristeza quando queda o Sol distante? Nasce a velha noite de morte e diamantes.
Passar por castelos e carros elaborando meus testamentos de barro, pão e palavras.
De terra fui feito, de sal e minério. Água e farinha na fornalha - cortado em versos
com navalha!
Repartido entre bocas e corações famintos. Fermento é o beijo, a fúria, o tormento!
Curioso dos corpos, naturalmente quente, de descompustura e carência,
desertor da ciência enamorando os mitos, elo de ciranda, curumim das tribos
que fumam e dançam.
Desejar as nuvens desenrolando-se em panos de seda, tornando-se naus, najas, baleias.
Um balão à deriva, um desfile de pipas, um avião que passa escrevendo fumaça
na celeste verde.
Quando a tarântula com pés de agulha eclipsa estrelas sobre minha cabeça e tece das nuvens ao chão
uma neblina fina. Como enrolando um inseto, mantém a cidade suspensa e gira, destilando teia.
Tudo são manchas e vultos estatuetas confusas contorno e face turva ruas tortas enjôo
miragem clarão de tinta colagens um voo pincéis velozes vidraças vertigem de imagens sem forma! Súbito
estanca! Mordida, veneno-vinho que amortece corpo e agita alma. A fisgada na espinha.
Então a calma, o silêncio de gelo, a espera imóvel do regresso pra casa
e do amanhecer que chega como um lento poente opaco.

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