sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Livro de Luz e Sombra


.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
Areia branca
poeira das estrelas
depositada sem pressa
em sete eras
do vento

Sombrio embalo marinho
Mansinho, mansinho, cavalo feroz! Se espalha...
Calminho, calminho, marreta de prata! Espuma...

Água nivelada em turvo espelho
Água exaltada em dunas doidas
E a dança segue sempre essa balada!

Moradas do dragão
vulcões lunares
pintando com lava
o castelo de Jorge

Renasce vermelha a cidade de mármore
espalhando roseiras na pele do mar...

Pétalas na areia! Conchas de brincar!

Nós acordamos pra noite
quando ela sonhava pássaros
E voava... Voava a noite pra longe
batendo as asas do tempo
numa espiral de palavras

Levanta primo! Isso é mágica!

Se verdes folhas suspensas
fluíam tal como as águas
Os olhos dele, negríssimos
eram a própria madrugada
E a cor das estrelas mentia
como mente a escama das carpas

Tudo se repetia
no homem, na rocha, nas nuvens
se um vento rugia nas árvores
o mar rugia em quebrantos
se os rios corriam pros mares
corria sangue em minhas veias
o que soubemos do instante
a relva também sabia

Silêncio! Mas ele sorria...
E eu quase, quase chorava!

Lá vem a marcha dos sinos
assobiando e cantando
Um prisma sai de trás dos morros
todos os corpos despertam
só dois mergulham na prata

Mas que loucura - eu falava
Sonhei que a noite sonhava

Disseste - Não diz mais nada...
Sonhei que a noite voava!

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Balada Garoada

Flores secando ao vento.
No cristal claro do vidro
seu fantasma refletido
em translúcidos contornos
Folhas que o vento arranca.
Viola de cordas brancas
soando água de fonte
Teu cabelo de barbante
Teu sorriso de palavras
recitava Federico
melhor dizendo - cantava
Quanto campo estrelado!
Quanto mar fosforescente!
Arco irisado sem flecha
no firmamento nublado
Pequeno instante de sonho
tristonho ruflar do tempo
O olho do Sol se fecha
desce uma chuva fria...

domingo, 24 de outubro de 2010

Pagã

Fogueira atiçada,
cabelos da deusa ruiva
Praia toda de pedra - o mar explode
em prata, uiva

O ritual é antigo
brincar margeando o fogo,
lamber fagulhas!
Ergue o olho fundo,
mergulha a órbita extática
nas nuvens de plasma

Incita a chama contra o ártico!

Animal bruxo
no círculo mestiço
entre filosofia e mito

A vida vive nos ritos!
que as promessas do mundo moderno
são estrelas de pó,
tubarões no aquário!

Ar pra respirar, água pra tomar
alimento e amor...
mas os rostos castanhos se tingem
de carvão e fuligem
tentando devorar ouro.

O corpo do fogo é vário,
também é vário meu corpo
em seus movimentos loucos...
Calor, calor - alimento e amor!

'A renascença das crenças'
canta o mendigo
do fogo, afunda as mãos
na amplidão
estraçalhando ampulhetas...

A chama cospe cometas
os deuses sem cruz sorriem
suas estrelas azuis
eternamente vagando -
ciganos são os astros
e o coração humano!

Então o receio de virgem
hesitação ante o salto
hálito aflito
É que o infinito
às vezes dá vertigem!

sábado, 23 de outubro de 2010

Primeira Oração

Vinicius, Pablo, Jack, Walt
Me ensinem a amar a vida
e sua imprevisibilidade
Me guiem dentro do caminho
sem tempo
Façam acender em meus olhos
o amor sem fim
como as luzes do farol
caído no mar profundo. Amém.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A Mulher e os Meninos

No internato obscuro
uma cruz expõe deus
seminu e ferido
O menino ajoelha tentando afastar a maldita mulher
de dentro do olhar
As pernas maternas, os dedos das freiras...
Ave-Maria mãe de deus
quem te beijou os lábios teus?

No calor da feira
a explosão de cores
amarelo manga verdor limão
laranja aurora do mamão
vermelha o doce
do morango - prova a polpa
moça, enche a sacola
e sai de saia
pelas tendas mais saborosa
que as frutas...
E os meninos seguindo
seus quadris com lunetas de papel
vão carregar tuas sacolas
depois ganhar um pastel
Mulher que linda sem anel
alguém vai noivar teu rosto
e desfazer-te do véu?

Sob o feitiço do sol
botando fogo na areia
elas estendem lençóis
e mostram-se quase inteiras
Tão pouco pano se vê
e tanta pele dourada
mas cresce o desejo do ventre
e das auréolas rosadas...
Meninos dágua de cor
mesclada entre o castanho
do rio e o vermelho da lava
correm pro mar febril
tentando esfriar suas almas
Que essas mulheres
de tarde - vendo a luz
cair chapada,
dão pra si a liberdade
de deitar vestindo nada
Querem ter a cor da tarde!

Menino reza, menino chora
e vai embora
junto com as ondas
Menino morre, menino corre
e come areia e fica tonto
Mulher maldosa
só tua imagem
congela o vento e a paisagem
Tão inocentes eram os meninos...
Era tão tranquila a felicidade...

domingo, 10 de outubro de 2010

Desenho Nanquim

A Lua encarnada,
flor de quatro fases
Paz na cama atormentada
Olhos desertos de mim - meu abismo
Catavento mais bonito entre
as estrelas
Mel, vinho, ameixa
e o calendário inflama!
Poeira é o tempo que fica
no que não se move
Minha canção, minha casa
Abre os olhos teus como tuas
asas
Devasta o horizonte e fica simples
somente teu contorno feminino
não há filosofia ou morte alguma
e nada além da Lua
no teu seio!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Pequena Prece

No coração da solidão é onde nascem os lobos
com fendas nos olhos e capas de sombra
suspensos no tempo diante da Lua, como uma nuvem
perdida que o vento navega - mas são só brinquedos os barcos
de madeira velha... Pelo riacho tecido de cetim azul
a brincadeira é sem fim para o menino crescido
Dos caracóis do mar - desenrolados - cachoeiras de cachos
espalhando na praia, vê o brilho! É a garrafa de vidro
com os desejos selados, o mais sincero dos beijos e a confissão
sagrada! Só o vento esfriando o corpo, andar contra o Sol
é como ver através do fogo, tudo é pura chama e o coração dêgelo
e os cristais partindo enquanto os sinos quebram
Quando o cravo chora - fica o palhaço sorrindo com seu nariz de aurora!
O tapete é de folhas secas, o deserto vai na boca
qualquer palavra é rouca, todo consolo é pouco - mais uma folha
desprende, amarelada e ausente, dança no ar feito louca
e deita solenemente! O vagabundo pode caminhar
arrastando sóis poentes com sua capa, pode cantar a melodia
ousada dos que varam o tempo sem fugir de nada
mas vai levar no peito, mesmo sem notar, um bonito colar
mais pesado que a terra, mais intenso que o mar...
Os filhos da tisteza - nessa roda estranha
que hora nos dá tudo e depois vem tirar...
O suspirar do mundo, do mundo grande mundo que não para
de rodar! Ajoelharam-se as árvores e recolheram-se as nuvens
da tempestade incontida... Nas ruas da velha vila
onde nada nunca se move, um relâmpago inflamou...
Agora choro, agora chove! E essa vontade de ser anjo
querendo falar com Deus, esse desejo de poeta
querendo ver a flor desfeita regredindo ao botão
numa implosão de pétalas! De apanhar nas mãos essa rosa
entreaberta! Mas não, diz a ciranda, agora as meninas
que se dão as mãos levando na face um olhar de sua mãe...
Feitas tão só de inocência e de amor e de infância
vão notar o silêncio, como dói teu silêncio, minha pequena esperança!
A palavra é a pétala que não posso ofertar, enquanto
essa pérola cresce nos meus olhos e desce
como uma estrela que vai ao mar e lá descansa
dorme pra sempre! Brilha serena no meu poente, a bela ausente
que é uma promessa, do azul bonito, do reencontro,
da primavera depois do inverno, do mais que eterno
amor que temos e de nos vermos no infinito!