segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Cidade dos Pássaros

Criatura de plumas, percorrendo os vazios
azuis das nuvens mestiças, o corpo em cruz
envolto em vento, sobre os telhados velhos
da morada humana, vagando a sombra sutil
pelo vale dos rios e as cascatas de folhas
Sentinela do estio, na última torre dos sinos
da catedral de pedra. Os nômades da estação
sempre sob o Sol em chamas, além da montanha
na pele do lago, o pássaro espelha, tem duas
imagens. Olha o cais, onde a madeira apodrece
sua antiga força, da marujada de todo o globo
cheirando a peixe, falando alto, olha a paz
do porto no vôo da gaivota, no grito da chegada
de volta ao retiro com ramas no bico, vem
arquitetar um berço. A canção que é bonita
e é triste e serena, a canção da floresta
perdida pra sempre, da saudade dos galhos
de flores douradas - muita melancolia para
um coração selvagem. Eles viram a guerra
do fogo, eles viram o degelo nos polos
e tomaram as chuvas no agreste e pousaram
no cimo dos prédios. Na revoada, o balet!
Em sincronismo perfeito, nunca tocam-se
as penas, ninguém vai mudar seu rumo, não
há divisas possíveis, o céu é inteiro e sem
fim, em uma face é a noite, na outra face
é o dia, tem sempre uma aurora vermelha
e sempre também um poente, nós construímos
igrejas, milhões de estradas, favelas
mas a cidade é dos pássaros - cada pequena
cidade - os pássaros tem um segredo que vão
cantando pros homens em seu linguajar de ave
mas quem pode ouvir suas palavras
perdido no vão das cidades...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Letra Vermelha

Na cama de vagalumes
a noite explode a janela
e sacode as cortinas
Ela tem olhos de espelho
neles cabem o céu vermelho
mas eu não me vejo

Dedilho versos nos fios fictícios
do seu sorriso
São seis sentidos, seis sons
A carícia suspira e o peito arfante
abriga um coração em transe
As visões irradiam dos caracóis
dourados, mil setas de luz
E a voz inunda o corpo sem cor
do vento e invade o ouvido
feito ferro líquido
Os poros dilatam na pele fervente
sua bruma se espalha lenta
A fruta de polpa exposta
geme quando toca a língua rouge

Imaginar toda a cena - de luz e poema
as palavras surgem e queimam
cauterizando na carne, no pergaminho
de pele, serão só versos os versos?
Ou tatuagens na alma ou expressões
do semblante ou criaturas de sonho
transfiguradas em música...

Disseram que fazer poesia
é prender um raio numa fotografia
Quanto a mim, vou devorar relâmpagos!

Crescente

A grama estava ruiva, entardecia bem quente. Ele sorriu quando viu os pássaros embaralhando as asas no caminho do Sol, depois entristeceu porque estavam atrasados, o Sol já evaporava. Não sabia se o vento que bagunçava a franja era o mesmo dos assobios, desconfiava que não, um vento era músico e o outro palhaço. Assim mesmo gostava do vento e queria ventar nele, só pra retribuir o carinho. Queria adivinhar onde no céu ia nascer a primeira estrela, mas olhou pra cima e já estava lá a pequena vermelha, vermelhinha. Foi, foi, sentindo o cheiro da noite que era igual ao da tarde, só que mais escuro e tropeçou num galho - com duas ramas e sete folhas - empunhou tal espada e ergueu, acima da cabeça, agora cavaleiro. Não sabia nada de elmos e almas nobres dos contos antigos, então cavalgava na relva seu cavalo sem corpo. Tinha o peito desnudo, os sentidos despertos. Viu na casca preta do besouro uma armadura cromada, noturno diamante. Depois do deserto, seguiu adiante cortando o riacho, os pés descalços nadando entre os peixes de prata, viu as pedras do fundo de todas as cores, as conchas e o musgo, haviam diluído um arco-íris. Não tinha inimigo o guerreiro da espada invencível, agitou sua adaga contra a macieira e apanhou um fruto, troféu mais gostoso. Mijou nas estrelas e acertou as flores. Porque só as borboletas voavam sem sentido? Correu pra qualquer lado e depois pra todos. Então percebeu, as estrelas morriam, porque deus permitia? Ia lutar contra deus, que deixava morrer seus fihos e amanheceu. Ele tenta incendiar sua espada no fogo da aurora!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O Ilusionista

- Poema para o Carlos


Eis o Ilusionista - forjador de espelhos, chaveiro das portas sem trinco
Artíficie do sorriso das muralhas: arqueadas com dentes de pedra.
Suas cicatrizes de batalha - escrituras da história do rei, do príncipe pobre
No trono de nuvens. Correndo entre as estrelas, guarda-luzes do céu
Tem lampiões nos olhos, vaga-lumes bêbados nos bolsos, isqueiros vivos!
Seus pés gigantes, barcas navegantes de um qualquer mar distante
Qualquer rio de vidro entre os desertos cínicos da areia humana.
Das viagens que contas, quantas entre tantas, são só sonhos são só sonhos
Tira lampejos das sombras, torce ponteiros e brinca que é sempre cedo pro sono.
Já viu a noite caída? Já viu a lua perder-se e toda a cidade acordando...?
Já viu o filho chorando? Já viu o inverno das rosas e o outonar das cores?
Quando o trem uivou distante você deitou no trilho... Mas as rodas poçantes
te vendo rendido alçaram vôo e o trem-foguete foi às nuvens, hoje é estrela!
Mago iniciado na dor, mestre de amor, mímico hábil. Amigo do vagabundo,
amante silencioso, coração frágil. Alta torre! Quando a noite embriaga
os ossos e nenhum passo é possível na treva, diviso as fogueiras verdes
ardendo na doce capela e sei do destino que quero e sinto que é belo o caminho...

Da Flor Proibida

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Violeta dúbia,
Quando te toquei, meus dedos modelaram
o teu seio, como fosse ele
a carne da terra
então meu peito galopou por terremotos
e roseiras, por riachos congelados
e abismos incontáveis...

Depois parti de ti
descendo escadas que davam
no porão do inferno
Vagando ruas amargas
no labirinto das casas
Comigo a solidão do velho pássaro
e a saudade da esposa no porto.

Minha Julieta - eu quis matar-te
e quis ser morto
Mas não podia, que se morria
não te beijava,
Se te matava também morria.

Tem seis punhais a estrela
que dorme nos seus olhos - Eu vi!
Do espinho da vinha
é feito teu vinho
Só te quero beber, inviolada
quando se deita
pros meus carinhos, quando me cede
tua boca rubra - e eu abro e beijo
tua violenta florzinha núbia.