O verso é um vaso sagrado
com tampa e adorno incrustrado
se aberto assim com cuidado
revela a palavra encantada
a muito tempo aguardada
que vai se sentar no poema
bela como um diadema
feito um cristal burilado
Mas se o vaso ao chão for lançado
em mil pedaços partido
seus cacos forem esmagados
seu pó então diluído
basta ao poeta apanhá-lo
bebê-lo em taça de vinho
saborear cada gole
engolir bem devagarinho
Tomai nas mãos e bebei
o rubro sangue da poesia!
Come a carne do verso
deixe-o embeber seu corpo
circular nas suas veias
numa profusão epilética
em cada cadeia genética
cada elétron fundido
que o coração semi-morto
bata quase explodindo
O poeta não é humano
nem nada tem de divino!
Mas diferente dos sábios
que arrancam tudo do vaso
a canção lhes queima a alma
num ardor que nunca acalma
numa paz que não serena
e com simples gestos de afeto
em noites quentes e amenas
o sonhador delirante
descobre a lágrima errante
beleza e dor: seu dilema
assim se sente mais vivo
e vira a própria poesia
como as daquele vaso
que nunca foram escritas
Nessa hora
a carne do poeta se entrelaça
no insólito mistério das palavras
o templo incabável do etéreo
agora se quiser
ante a magia que se encerra
provar da fantasia que há nos livros
esquece o vaso
deixa o verso vagar livre
Devorem o poeta ainda vivo!
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